Através do grupo de literatura e memória do futebol do qual participo tomei conhecimento do maravilhoso conto “Futebol de Rua“, de Luís Fernando Veríssimo que trata das regras do futebol de rua:
FUTEBOL DE RUA
Luís Fernando Veríssimo
Pelada é o futebol de campinho, de terreno baldio. Mas existe um tipo de futebol
ainda mais rudimentar do que a pelada. É o futebol de rua. Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno. Se você é homem, brasileiro e criado em cidade, sabe do que eu estou falando. Futebol de rua é tão humilde que chama pelada de senhora.
Não sei se alguém, algum dia, por farra ou nostalgia, botou num papel as regras
do futebol de rua. Elas seriam mais ou menos assim:
DA BOLA
A bola pode ser qualquer coisa remotamente esférica. Até uma bola de futebol serve. No desespero, usa-se qualquer coisa que role, como uma pedra, uma lata vazia ou a merendeira do seu irmão menor, que sairá correndo para se queixar em casa. No caso de se usar uma pedra, lata ou outro objeto contundente, recomenda-se jogar de sapatos. De preferência os novos, do colégio. Quem jogar descalço deve cuidar para chutar sempre com aquela unha do dedão que estava precisando ser aparada mesmo. Também é permitido o uso de frutas ou legumes em vez da bola, recomendando-se nestes casos a laranja, a maça, o chuchu e a pêra. Desaconselha-se o uso de tomates, melancias e, claro, ovos. O abacaxi pode ser utilizado, mas aí ninguém quer ficar no golo.
DAS GOLEIRAS
As goleiras podem ser feitas com, literalmente, o que estiver à mão. Tijolos, paralelepípedos, camisas emboladas, os livros da escola, a merendeira do seu irmão menor, e até o seu irmão menor, apesar dos seus protestos. Quando o jogo é importante, recomenda-se o uso de latas de lixo. Cheias, para agüentarem o impacto. A distância regulamentar entre uma goleira e outra dependerá de discussão prévia entre os jogadores. Às vezes esta discussão demora tanto que quando a distância fica acertada está na hora de ir jantar. Lata de lixo virada é meio golo.
DO CAMPO
O campo pode ser só até o fio da calçada, calçada e rua, calçada, rua e a calçada do outro lado e nos clássicos o quarteirão inteiro. O mais comum é jogar-se só no meio da rua.
DA DURAÇÃO DO JOGO
Até a mãe chamar ou escurecer, o que vier primeiro. Nos jogos noturnos, até alguém da vizinhança ameaçar chamar a polícia.
DA FORMAÇÃO DOS TIMES
O número de jogadores em cada equipe varia, de um a 70 para cada lado. Algumas convenções devem ser respeitadas. Ruim vai para o golo. Perneta joga na ponta, a esquerda ou a direita dependendo da perna que faltar. De óculos é meia-armador, para evitar os choques. Gordo é beque.
DO JUIZ
Não tem juiz.
DAS INTERRUPÇÕES
No futebol de rua, a partida só pode ser paralisada numa destas eventualidades:
a) Se a bola for para baixo de um carro estacionado e ninguém conseguir tirá-la. Mande o seu irmão menor.
b) Se a bola entrar por uma janela. Neste caso os jogadores devem esperar não mais de 10 minutos pela devolução voluntária da bola. Se isto não ocorrer, os jogadores devem designar voluntários para bater na porta da casa ou apartamento e solicitar a devolução, primeiro com bons modos e depois com ameaças de depredação. Se o apartamento ou casa for de militar reformado com cachorro, deve-se providenciar outra bola. Se a janela atravessada pela bola estiver com o vidro fechado na ocasião, os dois times devem reunir-se rapidamente para deliberar o que fazer. A alguns quarteirões de distância.
c) Quando passarem pela calçada:
1) Pessoas idosas ou com defeitos físicos.
2) Senhoras grávidas ou com crianças de colo.
3) Aquele mulherão do 701 que nunca usa sutiã.
Se o jogo estiver empate em 20 a 20 e quase no fim, esta regra pode ser ignorada e se alguém estiver no caminho do time atacante, azar. Ninguém mandou invadir o campo.
d) Quando passarem veículos pesados pela rua. De ônibus para cima. Bicicletas
e Volkswagen, por exemplo, podem ser chutados junto com a bola e se entrar é golo.
DAS SUBSTITUIÇÕES
Só são permitidas substituições:
a) No caso de um jogador ser carregado para casa pela orelha para fazer a lição.
b) Em caso de atropelamento.
DO INTERVALO PARA DESCANSO
Você deve estar brincando.
DA TÁTICA
Joga-se o futebol de rua mais ou menos como o Futebol de Verdade (que é como, na rua, com reverência, chamam a pelada), mas com algumas importantes variações. O goleiro só é intocável dentro da sua casa, para onde fugiu gritando por socorro. É permitido entrar na área adversária tabelando com uma Kombi. Se a bola dobrar a esquina é córner.
DAS PENALIDADES
A única falta prevista nas regras do futebol de rua é atirar um adversário dentro do bueiro. É considerada atitude antiesportiva e punida com tiro indireto.
DA JUSTIÇA ESPORTIVA
Os casos de litígio serão resolvidos no tapa.
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Ao ler o conto, em pensamento voltei ao passado, especialmente ao período da minha infância em que joguei muito futebol de rua. Lembrei da rua onde morava, dos amigos e dos inúmeros jogos que ali fizemos.
Naquela época eu só pensava em jogar bola, aliás eu meu amigo Zé Roberto, que atendia pelo apelido de Dadá, se nossos pais deixassem nós éramos capazes de ficar o dia inteiro jogando bola na rua, se tivesse outros amigos por perto formávamos times, mas se não houvesse, não tinha problema, jogávamos um contra o outro, treinávamos cobrança de faltas ou penaltys, fazíamos competição de embaixadinha etc.
O mais bacana é que eu e o Dadá nutríamos o mesmo sonho, ambos torcedores do Santos Futebol Clube, tínhamos o sonho de um dia vestir profissionalmente o manto sagrado do glorioso Alvinegro Praiano e conquistar muitos títulos. O Dadá era baixinho, dono de uma habilidade incrível, um verdadeiro talento, jogava muita bola. Eu também tinha alguma habilidade e faro de gol.
O tempo passou, eu e o Dadá crescemos, muita coisa aconteceu no que diz respeito ao nosso sonho que infelizmente não se tornou realidade, cada um seguiu seu caminho na vida, mudamos do nosso bairro e deixamos para trás aquela rua onde ao menos ali fomos felizes Meninos da Vila, construímos família e hoje temos raro contato.
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O conto “Futebol de Rua”, de Luis Fernando Veríssimo, foi adaptado e transformou-se no curta ” A regra do jogo“, dirigido por Flavia Moraes.
Se você, assim como eu e o Dadá, também jogou futebol de rua, tenho certeza que além do conto “Futebol de Rua” vai gostar muito do curta “A Regra do Jogo”, vale muito a pena conferir:
Ficha Técnica
Título original
A regra do jogo
Gênero
Documentário
Categoria
Curta
Ano de produção
2010
País
Brasil
Duração
10 min.
Produtora
Film Planet, Content
Sinopse
Uma adaptação do conto “Futebol de Rua”, de Luis Fernando Veríssimo, ” A Regra do jogo”, dirigido por Flavia Moraes, mostra a cara do Brasil com sua ginga e seu habito de transgredir recriando as regras.
Referência
A REGRA DO JOGO. Direção: Flávia Moraes. Brasil. Film Planet, Content, 2010. 35 mm.
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Este post é uma homenagem a todos que jogam (cada vez mais raro) ou jogaram futebol de rua, aos amigos que jogaram comigo, em especial ao amigo Dadá, pela amizade vivenciada ao longo da nossa infância e pela alegria que tivemos de crescer brincando e compartilhando o mesmo sonho, não temos mais o contato de outrora, mas tenho certeza que este amigo especial, assim como eu, esta muito feliz, pois nos últimos anos temos assistido nosso glorioso Santos Futebol Clube conquistar títulos praticando o futebol arte através do talento de meninos como Diego, Robinho, Ganso e Neymar entre outros.
Espero que tenham gostado do post. Por ora, é só! Até mais!